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Painel II
João de Deus Medeiros
Biólogo, Mestre em Ciências e Doutor em Botânica. __________________________________________________________ Atuou como Diretor do Centro de Ciências Biológicas da UFSC; Chefe do departamento de Botânica da UFSC; Diretor do Departamento de Áreas Protegidas do MMA; Diretor do Departamento de Florestas do MMA; Coordenador da Federação de Entidades Exologistas Catarinenses. No momento atua como Coordenador Geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica- RMA e Presidente do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina - CRBio09.
Coordenador da Rede de ONGs da Mata Atlântica participa do Cidade Bem Tratada
João de Deus Medeiros é ambientalista, coordenador geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e presidente do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina (CRBio09). Ele é um dos palestrantes do 11º Seminário Cidade Bem Tratada, que acontece em Porto Alegre na próxima semana (08 e 09/05), no auditório do Ministério Público do RS (https://www.cidadebemtratada.com.br/pre-inscricao-gratuita/).
Participante do Painel 2: Soluções Baseados na Natureza: cruciais para enfrentar e minimizar as mudanças climáticas, que abre as atividades no segundo dia do evento, Medeiros vai falar sobre a visão das ONGs sobre as Unidades de Conservação da Natureza, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e a busca constante por um melhor diálogo das cidades com a natureza para a manutenção da biodiversidade e a regulação climática dessas áreas.
Aliás, outra ONG ambientalista participa do Cidade Bem Tratada, no mesmo painel de Medeiros. A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), primeira e entidade ambiental em formato de associação fundada (em abril de 1970) no Brasil, terá como representante o ex-presidente e atual diretor Científico e Técnico, Francisco Milanez.
O Cidade Bem Tratada conversou com João de Deus Medeiros, que antecipa alguns tópicos que serão abordados em seu painel, que defendem a preservação das Áreas de Proteção Permanente (APPs) e o uso racional da natureza.
Confira:
”Esse diálogo entre unidades de conservação e zonas urbanas e metropolitanas é mais do que desejável, é algo inadiável, até como condição para que a população tenha melhor qualidade de vida”, João de Deus Medeiros.
CBT – Como se dá esse diálogo das cidades com a natureza?
João de Deus Medeiros: Temas como as mudanças climáticas e o histórico de construções em lugares totalmente indevidos, em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de risco, mostram que devemos melhor aproveitar a natureza, respeitando e dialogando, por exemplo, com seus relevos e vegetação, ainda mais atualmente, com as discussões dos Planos Diretores. Isso tudo está linkado com a temática das Soluções Baseadas na Natureza.
É extremamente relevante que a gente entenda que há um diálogo muito estreito entre cobertura vegetal e relevo. No caso de APPs de topo de morro e de encostas, com inclinação superior a 45 graus, essa alta inclinação condiciona o relevo a um risco iminente de rolamento de rochas e deslizamentos e, obviamente, a manutenção de uma cobertura vegetal diminui bastante os riscos, apesar de não eliminá-los por completo.
Nem sempre uma APP está condicionada à área de risco, mas principalmente em áreas urbanas é preciso impedir que se faça parcelamento do solo e ocupação em topos e encostas de morro, e em áreas sujeitas a inundações, como margens de rios e córregos, e áreas de planícies inundáveis, às quais estão associados olhos d´água. Todas essas áreas têm potencializado esses riscos, por conta do aumento expressivo da frequência e da intensidade de eventos extremos, principalmente de chuvas mais intensas, em determinados períodos, em decorrência desse fenômeno de mudanças climáticas.
Construir esse diálogo entre Soluções Baseadas na Natureza, com a observância desses preceitos que a Legislação estabelece como parâmetros mínimos, para a conservação de APPs, geralmente associados a áreas sensíveis e de risco, é algo que não pode jamais sair do radar da percepção dos legisladores municipais. Assim é possível que se tenha cidades com melhores condições de vida para seus habitantes.
CBT – É possível manter esse diálogo com a natureza através das Unidades de Conservação? Como está a situação das UCs no Brasil, de modo geral?
João de Deus Medeiros: As Unidades de Conservação da Natureza, reguladas no Brasil a partir da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), viabilizam esse melhor diálogo com a natureza, principalmente em áreas urbanas e metropolitanas. Esse tipo de espaço protegido favorece e viabiliza esse diálogo de forma objetiva, não só na manutenção da biodiversidade, mas contribuindo para a regulação climática dessas áreas.
Em várias cidades, a UC pode estar associada ao fornecimento de água. Na maioria das metrópoles, o abastecimento depende de fontes que são mantidas em UCs e obviamente que a manutenção desses espaços protegidos é fundamental para viabilizar o abastecimento.
A manutenção de UCs viabiliza uma melhor qualidade do ar e de equilíbrio climático, oportunizando ainda o contato com ambientas naturas, o que é extremamente importante e indispensável para o melhor equilíbrio psicológico e psíquico da população.
Criar espaços protegidos em áreas urbanas é inadiável, até para mitigar esses impactos decorrentes da excessiva conversão do solo em áreas urbanas, em que espaços naturais estão cada vez mais restritos. Em muitas cidades, já é um problema crônico e o investimento precisa ser feito, inclusive com a restauração de espaços para recuperar ambientais naturais.
Esse diálogo entre UCs e zonas urbanas e metropolitanas é mais do que desejável, é algo inadiável, até como condição para que as populações que vivem nesses espaços urbanos tenhamos qualidade de vida.
CBT – Temos exemplos bem-sucedidos?
João de Deus Medeiros: Temos vários casos que podem ser citados como exemplos bem-sucedidos da utilização desses espaços pela população e pelos benefícios que trazem para a coletividade. De modo geral, sempre há uma associação muito direta, uma busca de correlacionar essa qualificação de exemplo bem-sucedido à exploração econômica. Daí obviamente, no caso das UCs, com muita frequência vêm os exemplos como Fernando de Noronha e Foz do Iguaçu, que são parques nacionais que têm um grau de visitação elevado e que geram uma receita que, com tranquilidade, garante o financiamento da Unidade com folga.
Mas também precisamos ver exemplos bem-sucedidos em que as UCs prestam papel essencial para a garantia de manutenção da habitação de aves e espécies raras, ameaçadas, endêmicas, muito sensíveis, que apresentam grau de risco bastante elevado. Nós, como país signatário da Convenção da Diversidade Biológica, temos também esse compromisso de procurar garantir espaço para a conservação dessas espécies, mas particularmente com essa atenção para as ameaçadas de extinção.
No caso do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, em SC, onde uma das ilhas que faz parte desse parque é o espaço que comporta a população de um pequeno roedor, uma espécie endêmica, exclusiva desse espaço que, se não havendo a manutenção desse investimento do estado, em garantir a conservação desse espaço, o risco de extinção dessa espécie seria muito elevado. Nesse mesmo parque mais recentemente foi descoberta uma planta também endêmica desse território.
Então essas situações em que se tem a utilização dessas áreas protegidas como refúgio para garantir a conservação de espécies raras, endêmicas ou ameaçadas, têm que ser vistas como bons exemplos de investimento, porque é um compromisso que toda sociedade tem que ter, para garantir a sobrevivência de todas essas espécies.
Outro ponto bastante relevante e que inclusive tem vinculação econômica, já que o bem é explorado, é a garantia de água. Muitas UCs são espaços privilegiados para a manutenção de mananciais hídricos que garantem o abastecimento de regiões metropolitanas enormes, como de São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, que dependem do abastecimento, a partir da captação de água em áreas protegidas ou adjacentes
Então, independente da cobrança do uso da água, só o fato de garantir para a sociedade que o fornecimento de água teria certa garantia porque o espaço está preservado, não há dúvida que traz um benefício que não deve ser negligenciado, e que não podemos deixar de auferir a essas UCs a indicação de casos bem sucedidos desse investimento. Então, de um modo geral, casos bem-sucedidos de UCs existem.
Frente ao desafio de ampliação e mesmo com os problemas decorrentes do baixo índice de implementação das Unidades, como falta de plano de manejo, a dificuldade de gestão participativa mais efetiva nos conselhos, o simples fato de já ter a garantira de espaço especialmente protegido, com qualidade do ar e de vida para a população, garantindo o abastecimento, tendo espaço para a manutenção de espécies raras, endêmicas e ameaçadas, e permitindo à população esse contato mais direto com a natureza, gerando inclusive atratividade turística, podemos afirmar que basicamente todas as UCs, principalmente estas de proteção integral, podem ser vistas como exemplos significativos e bons exemplos para investimentos públicos para cumprir essa determinação constitucional, que é de estabelecer esses espaços protegidos para ter ambiente saudável para toda a população.
CBT – Quais os desafios?
João de Deus Medeiros: De um modo geral, a situação das UCs no Brasil ainda está um pouco distante da ideal, por vários motivos. É inegável que o estabelecimento de um Marco Legal, com a aprovação da Lei do Snuc, em 2000, significou um avanço extremamente significativo, mas ainda temos uma série de ameaças, inclusive no planto legislativo, que enfraquecem esse Marco.
Mesmo não tendo um investimento que pudéssemos qualificar como razoável, para garantir um percentual mínimo de espaços protegidos nos diferentes biomas, como a Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do Planeta e que no Brasil foi o que mais sofreu conversão para o desenvolvimento de atividades humanas, hoje ainda temos lacunas para a consolidação e a criação de UCs. Isso ocorre pela excessiva fragmentação de habitats, pela deficiência na implantação das UCs já criadas e pela diferença significativa dos mecanismos de gestão e investimentos que se observa em unidades federais, estaduais e municipais.
É necessária uma articulação maior entre a gestão dessas unidades, para que, de forma harmônica, se integrem a esse esforço concentrado e articulado, para que as UCs cumpram seus papeis.
Uma das lacunas mais comumente tratadas é a deficiência quanto à regularização fundiária, um grande gargalo. Até o momento, assistimos a um grande descompasso com relação às ações do poder público, quando pensamos no processo de criação e depois no processo de implementação.
Ainda há um déficit de regularização fundiária em UC já criadas, e isso é usado como argumento para tentar reduzir ou desconstituir as UCs já existentes.
Além desse aspecto, ainda temos uma exploração não muito racional de recursos da compensação ambiental, a serem aplicados nesse processo de regularização, e de empresas que exploram energia elétrica e água para os centros urbanos e obtêm o insumo a partir de UCs.
Ainda há um lapso muito grande com relação à implementação das UCs criadas, que a sociedade precisa cobrar e exigir para garantir as UC criadas, e o sistema cumprindo seu papel constitucional.
Temos ainda esse desequilíbrio em relação aos investimentos de criação em diferentes biomas e ecossistemas, e isso precisa ser analisado tecnicamente e orientado para a regularização, e a partir desse esforço ter a garantia de um futuro ecologicamente equilibrado e sustentável para as gerações atuais e futuras.
Com esses gargalos, pode-se afirmar que tivemos avanços, temos ameaças que precisam ser contidas e um longo trajeto a percorrer, para que possamos ter um sistema nacional de UCs que de uma maneira efetiva possa garantir um meio ambiente sustentável e que possa ser usufruto de toda a população brasileira.