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Painel I
Annelise Monteiro Steigleder
_______________________________________________________ Promotora de Justiça, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná e doutora em Planejamento Urbano regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ministério Público, atuação em defesa do bem-estar
O Ministério Público é uma das organizações cuja participação é imprescindível quando se discute uma Cidade Bem Tratada, afinal, esse debate envolve trânsito, natureza, pessoas e, por consequência, a fiscalização em volta de cada um desses temas. E como conciliar isso tudo?
O desafio é grande. As emissões e os impactos transcendem os inúmeros debates e eventos ligados a essas temáticas, as pessoas consomem cada vez mais e, ao mesmo tempo, exigem melhores condições de vida, com praticidade e sustentabilidade.
Para falar sobre a atuação do Ministério Público, os principais desafios enfrentados na área ambiental, na gestão de bens naturais e de resíduos sólidos e no recebimento e atendimento de denúncias, a equipe de Comunicação e Divulgação do Seminário Cidade Bem Tratada conversou com Annelise Monteiro Steigleder.
Annelise é promotora de Justiça, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná e doutora em Planejamento Urbano Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Confira:
CBT – Quais os principais problemas ambientais enfrentados pelo Ministério Público (MP)?
Dra Annelise: Pensando no âmbito da atuação da Promotoria, temos vários problemas relacionados ao saneamento, à falta de tratamento de água e esgoto, problema este muito severo. Há muitas cidades sem coleta de lixo, o que é considerado um problema grave, pela poluição que gera.
Há também casos de conversão do uso do solo, com nossos ecossistemas naturais sendo convertidos em pastagens e lavouras, e desmatamento em áreas naturais das cidades para dar lugar a novas edificações.
Na região do Bioma Pampa, por exemplo, a conversão do uso do solo está acelerada, para dar lugar à soja e à silvicultura, o que gera muita perda da biodiversidade.
Há ainda situações graves de resíduos sendo despejados no ambiente, gerando lixões e contaminando água e solo. Toda essa poluição é consequência da gestão inadequada dos resíduos por entes públicos e por empresas, o que acaba gerando ações civis e criminais aos responsáveis.
CBT – Qual a atuação do MP nessa área ambiental? Quem pode acionar?
Dra Annelise: A população de modo geral pode acionar o MP, seja através de denúncias, seja através de reclamações, junto à Ouvidoria ou diretamente na Promotoria, através de e-mail.
A Promotoria de Meio Ambiente do MP do RS recebe muitas denúncias de associações ambientais e comunitárias, mas as prefeituras ou mesmo o Batalhão Ambiental podem, de ofício, instaurar uma investigação para apurar a responsabilidade dos envolvidos.
CBT – O MP é muitas vezes a única instituição a quem se pode recorrer em caso de denúncias, questionamentos e novos processos. Qual seu entendimento a respeito disso?
Dra Annelise: Depende. Muitas vezes o próprio município pode prestar esse atendimento, pois a prefeitura tem poder de polícia, assim como a Fepam. Caso a prefeitura não aja, o MP tem a responsabilidade de instaurar uma investigação por crime ou dano ambiental aos infratores.
CBT – No caso da temática de sua participação no Seminário Cidade Bem Tratada, qual será o enfoque?
Dra Annelise: Fui convidada para falar da atual gestão da Política Estadual de Resíduos Sólidos no RS. Pretendo lançar uma reflexão sobre a Logística Reversa dos Resíduos Sólidos, abordando um nível mais ambicioso de demanda, sugerindo que muitos materiais precisariam voltar ao ciclo, incentivando a economia circular, ou seja, ao invés de gerar novos resíduos, evitar que sejam lançados em lixões ou aterros, voltando sim para o ciclo produtivo.
Na minha fala quero mostrar a importância de termos políticas estaduais da Logística Reversa (LR), destacando que os estados também podem legislar quanto a essas metas. Infelizmente no RS não há muito investimento nesse sentido. O RS, a exemplo do Maranhão, Piauí, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Ceará, também precisa passar a legislar e a fiscalizar/controlar que as empresas realmente recuperam esses materiais. Precisamos de iniciativas mais arrojadas, pontuar a necessidade de políticas que gerem essa atuação, mostrar o papel que os estados têm para alavancar e cobrar ações.
CBT – Na sua avaliação, o que falta para o Brasil se adequar à Lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e manter regular a coleta, o tratamento e o destino dos dejetos, já que objetiva reduzir a quantidade de resíduos nos aterros e lixões?
Dra Annelise: Um problema sério é que muitos municípios ainda não cobram pela coleta, que tem custos e deve ser gerida dentro da lógica do equilíbrio financeiro, inclusive para fazer as contratações, o licenciamento da área para depósito e prestar apoio a cooperativas de catadores, entre outras questões que envolvem esse financiamento. A prefeitura tem que cobrar para ter recursos para geria a coleta de lixo. É uma questão estratégica pensar na sustentabilidade econômica dessa atividade.
Outro problema é a grave situação da educação. Muitas pessoas e mesmo gestores não têm essa preocupação com o ambiente, falta conscientização, que estaria na base de um programa de coleta seletiva. Há limitações tecnológicas e de mercado, porque o sucesso da coleta seletiva depende de soluções logísticas, onde o custo do frete compensa à recicladora comprar o vidro, por exemplo.
Hoje, em Porto Alegre, o índice de reciclagem é de apenas 2%, isso que a capital gaúcha já foi referência na coleta seletiva de lixo.
CBT – E sobre a Logística Reversa, quando teremos essa lei implementada de verdade? Alguma perspectiva?
Dra Annelise: A LR depende de regulação federal, que está incompleta, com detalhes ainda não bem definidos. Temos como meta atingir 50% até 2050, mas como alcançar essas metas? Vai ter que existir a regulação.
O Mato Grosso do Sul é pioneiro nessa matéria, obrigando que todas as empresas que colocam produtos novos no mercado têm que reutilizar 22%.
Acredito que os estados estejam muito contemplativos em relação à regulamentação da LR de embalagens em geral, o que gera desestímulo para as empresas implementarem.
No RS tem um inquérito civil público instaurado e estão sendo realizadas reuniões. Além disso, está sendo produzida, no âmbito do Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), uma resolução que vai tratar da LR, que deverá ser colocada em consulta pública através da Sema, só que ainda sem precisão de data.
CBT – Qual a importância de incluir/prever a obrigação da Logística Reversa nos licenciamentos ambientais de produtos a serem confeccionados e colocados no mercado?
Dra Annelise: Aumenta a cobrança do setor empresarial. Este é um item a mais a ser considerado/cumprido.
CBT – Mesmo não havendo licença ambiental, como garantir planos e projetos de gerenciamento de resíduos sólidos das atividades econômicas de forma geral, para garantirmos o reaproveitamento e a reciclagem, como prevê a Política Nacional de Resíduos Sólidos?
Dra Annelise: Depende de decisão política. O licenciamento é um grande instrumento de controle. Alguns estados trabalham com planos de LR. É uma alternativa, até que o estado consiga se organizar. Acredito num ato administrativo de controle e que obrigue as empresas a cumprirem as metas, para não ficar só aleatório ou se perder, quando se abre mão de controle e fiscalização, o que é difícil e problemático dentro do ideal em termos de sustentabilidade ambiental, com menos resíduos e mais áreas naturais.